21.6.13

Isso aqui é uma democracia, #Anonymous: Dilma faz o que ela pode, não o que ela quer

blablabla
Essa imagem recente postada pelo Anonymous Brasil mostra o que muitas pessoas devem estar achando do pronunciamento da presidente Dilma Rousseff: um monte de asneiras e promessas de político - o que é natural se considerarmos que a massa foi educada desde sua tenra infância a achar que ocupante de cargo público não presta, etecetera e tal.

Mas, lamento informar, ela é mentirosa.


Mentirosa porque Dilma é Presidente da República, não dona do Brasil ou imperatriz com plenos poderes. Ela não pode passar por cima do Congresso Nacional para aprovar a PEC 37 ou transformar a corrupção em crime hediondo, nem pode fazer o Renan Calheiros renunciar (a mais fácil das metas do grupo) ou coibir corrupção em obras que já estão sendo fiscalizadas à exaustão.

Mentirosa porque propõe uma ditadura da Dilma, ou do povo que foi às ruas, quando vivemos numa democracia, embora muitos nas ruas não saibam exatamente o que é isso. De forma compreensível, aliás, pois a direita brasileira não foi criada para confiar em ideias e prefere a democracia dos “sem partido”, que até existiu nesse país, na República Velha.

A dos coronéis. 

Em que o voto, aliás, era distrital, e não existia TSE.


Democracia pressupõe conflitos sociais, mediadores, recuos e avanços, ao contrário das ditaduras nas quais uma corrupção intensa se desenvolve nas barras do “poder dominante”. Ditaduras, contudo, não são assim: são tranquilas, até porque quem manda não pede num regime de exceção.

Em consequência disso, para ser safado, corrupto e ladrão na ditadura não precisamos de muita coisa: um afago na mulher do general ou um agrado para o brigadeiro de plantão abre muitas portas, e cria espaço para que milhões saiam dos cofres públicos sem muito esforço.

Porque o comandante falou que podia. Simples assim.
Dilma pode muito, mas não pode tudo; é presidente, não deusa-mãe; e por esse motivo pode-se dizer que o discurso dela foi justo, já que não prometeu o que não podia e disse o que estava fazendo para resolver os problemas que estavam ao seu alcance. 

Duvido, entretanto, que a turba nas ruas, e o #Anonymous em especlai, vão entender isso: as metas já foram traçadas, e a estratégia não poderá ser mudada até o objetivo final. 

O que é uma pena, principalmente para o cidadão comum que cada vez mais se cansa da baderna.


Enquanto isso, me pergunto o que está pensando o coitado do Zé …

20.6.13

“Nem teme quem te adora a própria morte” …

 

fimderoma

Quando os numerosos cidadãos de bem diziam aos seus filhos que havia um tempo em que era permitido andar nas ruas sem ter medo do bandido, em que havia educação e saúde de qualidade, em que vagabundo era preso e ficava lá, e em que os direitos dos cidadãos de bem eram respeitados, a "turma do bem" da esquerda desdenhava, achando que a democracia seria capaz de resolver tudo.

Os fatos de hoje mostraram que não é verdade.

Sempre houve um caldo de raiva e de incerteza nas pessoas, que estava esperando apenas uma faísca das redes sociais para sair de casa e ganhar as ruas, contra tudo e contra todos mesmo sem saber o porquê disso.

E não é verdade que o brasileiro não se incomode. Nunca foi assim, por mais que os livros de História esquerdistas digam o cotnrário.

Em 30 Getúlio foi colocado de volta no poder pelos que se cansaram da República Velha dos oligarcas; depois, em 54, o povo quebrou o Rio e os opositores quando ele morreu. Em 64 os militares foram aplaudidos depois das asneiras de João Goulart; e, mesmo antes disso, d. Pedro I era escorraçado dessas terras por aqueles que não aturavam mais o estilo autoritário do imperador do Brasil.

Os bons moços achavam que os papos de democracia e respeito aos direitos humanos e sociais rendiam alguma coisa.

Deu no que está dando: um país em convulsão, à espera de um qualquer que chegará ao poder montado num cavalo branco, escorraçará os políticos e colocará o povo no poder, qualquer que seja esse o significado.

A Revolução Francesa, é bom lembrar, começou assim.

E acabou com um imperador vindo do Exército, Napoleão Bonaparte, que botou ordem na casa depois que a burguesia se cansou da brincadeira de democracia.

E quem será esse cara, quem será nosso Napoleão?

O Brasil mudou seu status de “deitado eternamente em berço esplêndido” para “verás que um filho teu não foge a luta”.

Mas estamos, todos, preparados para defender nosso país até o fim, ainda que isso signifique perder a vida por ela?

17.6.13

Prosa: Delitos Comuns IV

Retratos de uma traição

Voltava para casa, depois do longo início de noite e antes que ela se tornasse em criança levada, a criança que todos nós queríamos ter de verdade sido.

Tinha os olhos cansados, sem colírios ou remédio que dessem jeito naquela ilusão de vida que levava, vida que na verdade era uma vida besta, do trabalho para casa, de casa para o trabalho, às vezes para o curso, outras para as reuniões maçantes de família ou as "happy-hours" do serviço, em que na verdade se cultiva e se cultua apenas o ato de nada fazer e de tudo fingir, como se pudéssemos encontrar verdadeiros amigos em um lugar onde todo mundo se vê para se comer vivo, ou fritar-se ...

Ufa!

Tinha pensado demais: já era tarde e tinha que enfrentar a volta, a tenebrosa volta para um mundo que já não era mais o seu, um mundo de aparências distantes e disformes, bem diferentes do início do seu "affair", em que a esposa bastava para lhe livrar dos sofrimentos e desgraças que o mundo insistia em lhe dar.

Esta tornara-se oca, como a própria mãe fora: preocupada, mais que na verdade, em ganhar e gastar em ostentação e delírios de luxúria que já de nada valiam, já que a cama, antigamente um poço de desejos, sucumbira ante os problemas de uma relação desordenada e desajustada pelos tempos e pelas torturas de sempre a mesma coisa, as mesmas cobranças, a falta de compromisso e descaso pelo homem por trás do vulcão que na cama ele sempre se julgou ...

Vulcão? Nem tanto: era apenas um sonho; já não era mais jovem, e mesmo que quisesse, jamais voltaria a sê-lo.

A secretária, coitada, era a única a ouvi-lo em seus sonhos e devaneios: tinha ela os sonhos de crescimento, como toda vagabunda nessa situação - se bem que, na verdade, nem vagaba ela era, era apenas uma mulher liberada que não queria saber de compromisso nenhum, e que, segundo ela, não se prendia a ninguém, era livre como o canto dos pássaros para fazer o que quiser, embora ele soubesse muito bem que a velhice acabava com esses sonhos, e que valia muito a presença do "cobertor de orelha" na mão ...

... ou será que não?

Bem, não era hora de pensar nisso, devia voltar para casa e ser o mesmo homem de sempre, bom marido, bom filho, bom pai, traindo-se a si mesmo dentro de todos aqueles arranjos, acabando-se em sua própria hipocrisia de velho menino, cometendo seus delitos comuns.

Como todo respeitável homem de bem, que comete seus delitos que nem sabe que existem, transgressões que não passam, bem lá no fundo, de ilusões do cotidiano.

fps, 12/09/00, 15:30

15.6.13

Prosa: A Revolta do Vinagre ... e o Zé

Congestionamento. Dos brabos.

Por causa de um bando de estudantes que lutavam pelo preço da passagem, e de outros tantos bandos que, a pretexto de lutar pelos seus interesses, sairam das redes sociais para protestar, gritar, falar que alguma coisa estava errada.

Na passagem. Na Copa. No mundo.

E, no meio disso, temos o Zé. Que está no "bumba", o" "busão", voltando para casa.

E já está ficando atrapalhado com toda aquela confusão.


O Zé é um cara normal.

Com seus vinte e poucos anos, que parecem mais, olhos cansados de quem acordou cedo, e está no meio do caminho para sua casa.

Já que aquela será a primeira das duas baldeaçoes que fará na volta ao lar.

Primeiro o metrô. Depois, outro "busão".

Que o deixa mais atrapalhado do que já estaria normalmente.

,,,

O Zé fez segundo grau. 

Tentou fazer cursinho, mas desistiu.

Vai tentar de novo, inspirado pelo Prouni da dona Dilma, aquela que vaiaram lá no estádio, dia desses.

Não sabe porquê, o coitado do Zé.

Ela é tão boa, dá dinheiro para os pobres … se bem que a inflação ´tá aumentando, nem sobra para pagar no fim do mês.

Sei lá, deve ser por isso que vaiaram ela.

Mas não sabe. Talvez porque esteja ficando cansado.

E atrapalhado.


O Zé queria fazer faculdade. Se fizesse, estudaria bastante, e, talvez, tiraria boas notas.

Queria fazer História, para ser que nem o professor dele.


Irineu.

Um cara bacana, de rabo de cavalo, que dizia um monte de coisa bonita e era casado com uma ex-aluna, uns vinte anos mais jovem que ele, que andava sempre toda arrumada e perfumada.

Muito gos … er, muito elegante, a esposa do professor Irineu.

Mas o Zé … o Zé queria estudar, melhorar o salário, sair daquela vida.

E comprar um carro. Sim, um carrão.

Para deixar de pegar condução, pelo menos uma ou duas vezes por semana.


O Zé está atrapalhado. Jà está bem cansado.

E nisso, lembra do Otacílio.


Um colega do trabalho, "velhão", à beira da aposentadoria.

Grisalho, cabelos brancos, meio autoritário mas muito "gente boa".

Um saudosista descarado, que falava sempre dos bons tempos em que se andava na rua sem medo, porque eles, os militares, cuidavam de tudo.

Em que se cantava o Hino Nacional todo dia nas escolas. Em que se estudava Moral e Cívica.

E os Generais, presidentes, eram aplaudidos nos estádios.

...

"Ê, tempo bom …", falava sempre o "Ota", que insistia que hoje não há mais respeito, nem pelos trabalhadores, nem pelos velhos, nem pelos pais.

Nem por ninguém. Como no passado.


O Zé está atrapalhado. Cansado. Suado.


Lembra que a mãe dele vai fazer o prato preferido.

Costelinha de porco, fritinha, cheirosa.

Humm … já sente o cheiro, só de pensar ...


E a manifestação que não passa.


Liga o celular, o Zé, para a mãe, que deve estar preocupada.

E tem a má notícia: a costela acabou, os irmãos comeram tudo.

Agora, só na semana que vem.

Isso, se tiver dinheiro para comprar costelinha no fim do mês.


O Zé esta atrapalhado. 

Cansado. Suado. Fedido.

E pensa, pela primeira vez, que talvez o Otacílio tenha mesmo razão.
fps, 15/07, 19:08

4.6.13

Nosso Tea Party e a Bolsa Família

André Forastieri, mais uma vez, foi ótimo ao tentar explicar porque os pobres precisam do Bolsa Família - mas, para variar, sempre tem quem não entenda e não vai querer entender o porquê desse programa social.

E dá para entender muitos desses argumentos, típicos dos "pagadores de impostos" ou "eternos explorados" desse país, a classe média que, a exemplo dos "53%" do Tea Party americano, acredita piamente na versão tupiniquim do pensamento americano que diz que todos tem as mesmas oportunidades de crescimento se tiverem "educação de qualidade", ou outras soluções simplistas para a desigualdade social.

Soluções paliativas, que não passam por inverter a lógica do capitalismo, tão injusto quanto o rio que corre naturalmente para o mar, a não ser que exista uma barreira que inverta esse fluxo.

...

Eu bem gostaria de que tivéssemos emprego de sobra nos rincões desse país, e gente preparada para assumir esses trabalhos que todos acham que existe nas áreas miseráveis do Brasil. 

Mas não tem, e isso é um fato concreto. Se há trabalho, é para os poucos que tem a sorte de estar ligados aos poderosos da região, muito mais por berço do que por mérito, ou para quem se sujeita a receber salário de fome e ser dependente eternamente dos favores de alguém.

Mas, tudo bem, "se você não quer, tem quem quer", não é mesmo?

...

Ah, mas você tem o direito de ir e vir ... que força multidões de miseráveis a vir para os grandes centros a procura de sobrevivência, para si ou para sua família. Poucos tem estórias de sucesso para contar; e os que tem reforçam o coro dos nossos "53%", até porque são a prova viva de que "as coisas dão certo para quem trabalha duro".

Nem sempre, porém, é assim: detalhes sutis criam uma maioria de despreparados (ou "losers"), que ou vai reforçar o contingente das favelas, e servir de mão-de-obra barata, ou aceitará ser massa de manobra de outros poderosos, ou - se perdeu a dignidade, ou se nunca a teve - vai para a bandidagem pura e simples, atazanando a vida dos "homens de bem".

Que preferem pagar uma polícia sangrenta a investir numa "redução de danos", como o Bolsa Família e outras políticas sociais são de verdade.

...

Sim, porque no fundo o Bolsa Família é exatamente isso: redução de danos, como dar seringa a um drogado. 

O "imprestável", que "não estudou", recebe pelo menos um troco para que mande o filho à escola e faça o mínimo que é necessário para salvar a próxima geração, ou seja, garanta que ele saia da classe "E menos" para a classe D. Ainda que seja só pela frequência na escola, já é alguma coisa: na pior das hipóteses, o filho desse cidadão poderá ler e escrever, e fazer um trabalho melhor do que o "bico" onde o pai trabalha. Talvez um dia, inclusive, possa sustentá-lo e cuidar para que não dependa do governo.

Tem cabeça-oca que recebe o programa e desperdiça? 

Tem, sem dúvida.  Assim como em todas as famílias tem quem pratique pequenos "delitos" que deixamos passar em branco - porque são coisas que "os nossos" fazem continuamente.

E porque "todo mundo faz". Ou porque "os políticos não prestam".

Como se não fossemos nós que colocássemos esses "bons homens" lá.

...

Ora, se vocês não acreditam nos números que comprovam que a Bolsa funciona, ou nas comparações que os especialistas fazem, acreditem nisso: pagar alguém para não ser um estorvo também é pagar pela segurança da sociedade como um todo. Afinal, se "eles", os beneficiários da Bolsa, são sanguessugas, melhor pagar para que eles não nos incomodem, não nos roubem, não fiquem tirando a paz do nosso "Tea Party" tupiniquim.

...

Para não nos atrapalhar. 

Só por isso, já vale a pena pagar a Bolsa.