3.11.23

Prosa: Gabinete

Francamente... nem saberia dizer porque vim aqui. 

Quer dizer, eu sei o porquê: tenho o coração amargurado, e dividido. A dor do erro não é maior do que a resignação indignada, de quem vê que produz muita coisa mas não mostra o seu melhor - e não sabe como mostrar-se, porque sabe que para cada pancada na ferradura surge outra, no lombo e na vida.

Lembro da infância. De ser bonzinho, dos estereótipos de quem nasceu com inteligência, mas foi desprovido de esperteza - e de capacidade para entender a vida.

Lembro do lado quietinho, do pouco fôlego para as brincadeiras, de não ser bom no gol - e ser péssimo na linha; das novas selas e dos livros, e... 

... bem, não vou levar isso para o chororô. Estou chateado, machucado, mas admito: não é bom sentir-se ovelha negra, só cantora famosa - e bem de vida - pode dar-se ao luxo de cantar desse jeito.

Mas é... que de repente começou a doer lembrar dele. DELE. Dele.

Que fim terá levado? 

Não sei, talvez hoje esteja velho, caquético, feio, bobo, burro.

Dizia saber caratê. Acabou querendo me dar mais do que isso. Ou melhor...

... ah, olha aqui eu levando isso para o chororô, a autocomiseração desnecessária. Que é isso, sou homem feito, casado - pai!

Não tenho que chorar por... por sentir-me só, com meus botões, livros e escritos, pelo medo da violência, da desvirtuação do próprio ser, do isolar-se, sentir-se podre, feio, bobo, mau...

... triste ...

... sabe, até que valeu a pena vir aqui. Obrigado.

Domingo, talvez, não tome o pão ou o vinho. O coração aceita a "dura", é verdade.

O cérebro, porém, finge divagar... e não se conforma de que estes escritos não possam ser um traço, um espaço, um pequeno ponto que permita dizer que sou... alguém.]


Obrigado, mais uma vez.

fps, 03/11/2023, 17:33

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