8.6.10

Prosa, revisitada

Na torre

Era um rapaz meio assim, meio assado, tímido, quieto, recatado.

Talvez até demais para o gosto de quem convivia com ele.

Não tinha um grande físico, não era muito bonito, usava óculos e estava acima do peso.

Enfim, grande coisa lá não era.

Mas naquele dia, não se sabe porque, estava inquieto.

Não parava no lugar, não queria conversa com ninguém, não falava e, quando perguntavam o que acontecia, apenas respondia um singelo: “não sei”.

Foi assim até o fim do dia de serviço.

Saiu, lá pelas sete da noite, foi até o estacionamento, pegou o carro ...

E saiu.

Não estava a fim de voltar para casa - fazer o quê por lá?

Não queria enrolar mais no serviço, embora tivesse coisas a fazer; tinha problemas para resolver, mas ah!, isso, deixa p´ra mais tarde.

Não queria saber de nada.

Queria mesmo era espairecer a cabeça, dirigir um pouco, relaxar.

Apesar de que relaxar, às sete horas, no trânsito louco de São Paulo, era realmente trabalho muito difícil.

Mas, assim mesmo, saiu.

Brigadeiro, Paulista, Ibirapuera, volta no parque, Paulista, Consolação, Praça da República, São João, Augusta, Paulista, Alameda sei lá o quê, Paulista, Paulista, Paulista ...

… retorna perto do Paraíso, e torna a Paulista.

Nessa brincadeira, já são onze.

Os casados estão em casa, os solteiros bagunçando … ou seria o contrário? Não sei, nesse “admirável mundo novo onde circulam criaturas tais” ...

… e então … acontece … alguma coisa.

Pára em frente à um dos prédios.

Paulista, imagem viva de uma avenida que representa dinheiro, fama e poder nos tempos do Brasil Real.

Sobe as escadas.

Não sabe porque, mas alguma coisa o leva mais alto, procurando o topo do local, o topo do mundo, sempre em frente, sempre acima.

Escada daqui, corredor dali, elevador acolá, chega ao seu objetivo.

A torre.

Enorme torre.

De onde saem imagens e sons que chegarão em casas onde pessoas distraídas estarão, naquele momento, assistindo um bom filme, depois da sagrada novela de todas as noites.

Uma escada.

O caminho para onde ele quer chegar.

Sobe, sobe, mais e mais alto, até que, chegando ao topo, ele tem a visão mais magnífica que poderia ter naquela hora.

Uma mulher.

Sim, uma mulher.

Do jeito que ele queria, do jeito que sempre sonhou.

Linda, bela, magnífica escultura de um gênio da arte ... a acenar para ele, pedindo que faça com ela o que ele sempre quis.

Aproxima-se, e nesse momento tem inicio um ato que sobressai as forças da natureza.

Beija-a, abraça-a, acaricia seus maravilhosos cabelos soltos ao vento.

Arranca de si tudo o que pode impedí-lo nessa prodigiosa hora.

E tem início o ato, num cenário tão imprevisível quanto … excitante.

E o que se segue é tão maravilhoso que jamais poderia ser descrito à um estranho.

Pois nada que se sente de uma forma é passível de ser entendido num simples relato.

E tudo ocorre, num ritmo crescente, que o faz esquecer as noites mal dormidas, o trabalho enfadonho, as atividades sem sentido que tinha feito ao longo de sua vida, e tudo o mais.

Morrer?

Não se importava.

Morreria feliz, sabendo que se sentia bem.

Chega o ápice. Geme, grita, sua, sofre, delira!

Tinha concluido o que viera fazer ali.

É então que ouve um ruído, como de asas batendo, várias asas em sincronia.

Olha para a direção de onde surgiu o ruído, e ... um helicóptero, e um homem, e um megafone, e uma ordem:

“ Atenção, vocês que estão em cima da torre. Os senhores serão levados à delegacia por crime de atentado ao pudor e perturbação da ordem pública. Queiram descer para serem acompanhados pelos policiais que estão à porta do mesmo elevador por onde entraram ...”

E, ao ter consciência da realidade, ele olha para aquela que foi sua parceira naquela noite.

Vê em seus olhos o mesmo ideal, o mesmo propósito, enfim - o mesmo sentimento de nulidade emocional e de dever cumprido que os levaram ali, levados sabe-se lá por que mão, para fazer ... sabe-se lá o que.

Ele a beija e lhe dá sua mão, no que é correspondido.

E os dois pulam.

Para o infinito.

...

No dia seguinte, assim dizia o jornal: “Loucos pulam para a morte, nos céus da cidade”.

fps, 08/06/2010, 19:45

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