23.8.16

Para pensar

Quando abro a cada manhã a janela do meu quarto – é como se abrisse o mesmo livro – numa página nova…Uma vida não basta ser vivida. Ela precisa ser sonhada.
 
Mario Quintana

6.8.16

Comentários olímpicos (antes que passe a euforia ...)

Que festa, senhores ... que festa!

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Embasbacados até agora, com o que o Rio pode fazer de melhor, esquecemo-nos por uns tempos das coisas ruins que ouvimos, e falamos, sobre o Brasil e ligamos a chave do ufanismo (embora, dessa vez, com o pé atrás pelos maus momentos que passa o país).

Diga-se de passagem, apesar de tudo o Brasil é capaz de fazer Jogos Olímpicos memoráveis. Toda Olimpíada, aliás, tem momentos inesquecíveis, e o Maracanã provou que sabemos fazer boas festas.

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Temer vaiado? Claro. Políticos sempre serão os "papagaios de pirata", e o brasileiro não perdoa quem quer ser maior que a festa. Ainda vai existir o brasileiro que realmente goste de protocolo oficial, com discursos intermináveis exaltando os feitos dos chefes e governantes de plantão.

De mais a mais, não custa lembrar que os estádios brasileiros, até agora, só aplaudiram ditadores - Médici e Vargas estão aí para mostrar que as massas não costumam ser exemplo de reflexão.

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Anita arrasou (e ainda deu patada no Waack, que glória!). 

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Era para ser o Pelé. Mas a justiça fez com que Vanderlei acendesse a pira.

Afinal, o imaginário coletivo diz que futebol é futebol, Olimpíada é Olimpíada. E com a opinião do povo não se brinca: "vox populi, vox dei".


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E que pira, gente. Que pira!

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Os Wright inventaram o planador. O avião, esse é nosso.

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Aquecimento global? Sim, claro, é bom economizar recursos.

Entretanto, quem dá o crédito de carbono para os países da periferia se desenvolverem?

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Um texto anterior, desse que vos escreve, mostra o que achava pouco antes da Olimpíada começar:
Desde a sua refundação os Jogos Olímpicos serviram para muita coisa, boa e ruim. Propaganda de ditaduras, marketing de empresas, reconstrução de cidades, superação dos atletas. Serve até para o reforço dos nacionalismos (embora muitos hoje em dia achem que isso não tenha tanta importância). 
Prefiro acreditar, contudo, que para um grupo de pessoas tudo valerá a pena. Os atletas brasileiros, sempre desprezados, mereciam muito mais respeito do governo e iniciativa privada (tanto quanto, por exemplo, os nossos expoentes culturais, que tem privilégios e dinheiro que passam longe de nosso Esporte). 
Se nesta Olimpíada nossos atletas fizerem bonito, me dou por satisfeito. Eles só tem essa oportunidade para garantir o pão dos próximos quatro anos - pois as medalhas é que dão visibilidade (e, consequentemente, o investimento, ou a falta dele). 
Nosso país não sabe fazer marketing institucional. Isso está provado. Mas ao menos o Esporte devia ficar como um legado.
Se os atletas conseguirem um recorde de medalhas, e o país conseguir engatilhar uma boa política esportiva em consequência disso, todo o esforço de Nuzman, o arquiteto do Pan e da Rio 2016, esse dinheiro todo terá valido a pena.

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Ingenuidade? Talvez. Mas permita-me isso.

Afinal, fosse pelos espertos, nunca faríamos Jogos Olímpicos no Rio.


3.8.16

A abertura da Olimpíada e a cisma em querermos vender ao mundo um Brasil que não existe

Este que vos escreve tem como "hobby" - na verdade, obsessão - ler e pensar sobre o mundo que o cerca, até porque a reflexão nos mantém protegidos da estupidez que assola o mundo. Em uma dessas andanças, me deparo com essa explicação, que Pedro Doria deu a respeito da polêmica envolvendo Gisele Bundchen e o assaltante-ambulante na abertura da Olimpíada de 2016:

"Quem assistiu ao ensaio da cerimônia de abertura das Olimpíadas tomou um susto. À distância, incorporando a aura da garota de Ipanema, Gisele Bundchen parecia ser assaltada por um menino negro para, ao fim, ser salva por policiais militares. O Comitê Rio 2016 rapidamente se manifestou. Mal entendido: não se tratava de um pivete mas de um camelô e a garota Bundchen apenas achava que era assalto.

A jornalista Flávia Oliveira é quem melhor articulou o problema. Camelôs vêm de uma tradição colonial. Os escravos urbanos eram enviados por seus senhores à rua para, ambulantes, vender comidas. Depois, libertos e sem estrutura, vendiam o que dava na mesma rua para sobreviver. A moça alta, bela e branca que se assusta com o ambulante negro está reencenando uma história perversamente brasileira. Reforçando um estereótipo, estimulando preconceito."
Descontando-se o fato de que o preconceito não vai acabar por decreto, ou porque retiramos toda menção a ele da mídia, me pus a pensar sobre a falta de bom senso que o politicamente correto de tirar uma nesga de realidade da abertura dos Jogos. Afinal, só no Brasil o pessoal consegue sentir vergonha quando falamos na figura do camelô, ou do ambulante - que é alguém que trabalha, e duro, para garantir sua subsistência (aliás, poucos sabem que escravo podia abrir conta-poupança, a fim de comprar sua carta de alforria ... e muitos compravam sua liberdade com os trabalhos extras feitos nas ruas como "negro de ganho").

Além disso, devemos fingir que a realidade não existe, é 'rosinha', politicamente correta, e ninguém se assusta com a chegada de um suspeito na rua - e dá risada quando descobre que não é nada disso? Ou deveríamos admitir que isso é uma verdade, ainda que inconveniente?

Quando queremos mascarar a realidade demais, declarando que ela não existe e mostrando algo diferente, ela nos soa falsa. Não dá credibilidade. Fica parecendo propaganda de ditadura.

E, observem: só nos países ditatoriais tudo funciona às mil maravilhas. Cingapura, onde o indivíduo insiste em te vender a imagem de um país perfeito mas no qual se vê o medo no olhar do estrangeiro; Azerbaijão, que estampa imagens de 'muito bem, Baku' em um GP que não tem patrocínio nenhum; Coreia do Norte, onde o sistema é tão puxa saco que ninguém percebe o ridículo que é cantar 'longa vida ao ditador' o tempo todo.

A realidade brasileira é dura, cruel - e o seu estereótipo é a verdade. Perdemos uma boa chance de discutir isso, ao invés de fingir que isso não existe, no bom estilo 1964.

Aliás, não era a ditadura que inventava um país que não existe, pelas mãos de uma mídia que fingia que estava tudo bem, enquanto o povo, via de regra, ia mal?

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Pedro Doria disse que esse é "o preço de desconhecer a História". Eu, porém, vos digo: muito pior é tentar inventar uma História que não existe, para transformar vergonha em orgulho e vice-versa.

Isso porque o povo percebe que algo não está certo. E repudia o que não aceita.