12.8.23

O restaurante nota sete (ou 7.5): as três estrelas e meia dos bons restaurantes chineses valem para o Brasil?

 


Sete, convertendo para nossa escala de notas, de 0 a 10.

Isso é o que vale o legítimo restaurante chinês, segundo Freddie Wong - que, pela sua bio no Twitter, parece conhecer bem do negócio. 

Diz Wong que o restaurante chinês ideal tem três estrelas e meia porque isso é o máximo que ele pode tirar sem ser afetado pela ocidentalização do serviço - ou seja, o lugar fica bom demais aos olhos de quem não entende nada e negligencia o mais importante para um legítimo apreciador da boa comida. 

E outro "chinês", Anthony Ling, do excelente site Caos Planejado, concorda com ele:

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As três estrelas e meia dos restaurantes que fazem as "comidas de mãe" chinesas teriam correspondente no Brasil? Dá para dizer que sim, mas com algumas ressalvas.

Para começar, restaurante brasileiro pode aceitar cartão - na verdade, tem, já que cada vez menos gente paga tudo em dinheiro. A maquininha usada, entretanto, será daquelas que facilmente poderiam ser adulteradas para transformar 25,00 em 2500,00 (e você vai confiar nela, assim como os clientes fieis costumam ter privilégios como pagar tudo no fim de mês ou passar PIX para o dono do boteco).

Falamos em boteco, porque esse é o nome pelo qual você vai chamar este estabelecimento - ou quilo, se optar pelo consagrado sistema brasileiro de pagamento proporcional ao peso; em alguns casos se chama o restaurante pelo nome do dono, ou por algum nome-fantasia mais engraçadinho. Há que se observar, porém, que homens chamam mais o comedouro de boteco do que mulheres, num detalhe proporcional ao ambiente (ou falta de) e à qualidade do produto (ou falta dela).

Ambiente... em boteco com qualidade isso não existe: azulejo (arrumadinho) até o teto, parede chapiscada mal feita, quadros de mau gosto "embelezando" o local em que se come. Se tiver uma dona, um pouquinho mais de zelo, - mas não muito, pois o relevante, num restaurante "nota sete", não é isso.

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Quem vai a um restaurante decente procura o equilíbrio entre dois fatores: preço e boa comida. Quer comer bem ao mesmo tempo em que sente que pagou o preço justo pelo básico de uma refeição - e nisto, aliás, reside a grande diferença entre a avaliação de Ling e Wong e a desse que vos escreve.

Digo isso porque a "comida caseira" brasileira não varia: o cidadão brasileiro procura arroz, feijão, uma salada - que alguns dispensam - de vegetais e alguma proteína, que dará nome ao prato pedido, seja ela bife de carne, frango ou linguiça (raramente peixe). Sobremesa? Fruta ou gelatina, de vez em quando.

Num contexto como esse, de poucos pratos, não se costuma errar de forma grosseira - e justamente por isso não se consegue agradar com precisão aos mais exigentes, para os quais qualquer detalhe faz diferença. A sorte dos "chef´s de boteco" é que o paladar do brasileiro (principalmente o "sudestino") é mais infantil, de tal forma que o necessário, nesse caso, é basicamente acertar o sal do prato.

O que nos leva ao segundo detalhe desta equação: preço. Comida brasileira do dia-a-dia é simples, e deve se encaixar no vale refeição do trabalhador - motivo pelo qual um simples aumento no valor do "a la carte", ou do preço do "buffet", afugenta o cliente mais fiel.

No mais, quilo tem que ter alface e tomate e pratos típicos são um risco fora do seu lugar de origem - mas, em geral, a receita para um "três estrelas e meia" no Brasil é essa que está aí, até porque, no horário do almoço, a maioria não quer complexidade, viver experiências ou outras coisas do gênero.

Quer, simplesmente, alimentar-se - e nem imagina que Michelin é outra coisa além de marca de pneu.

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P. S. (em 20/08/2023): Esse texto rendeu uma parte 2. Quer saber mais conselhos? Vai lá...

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