13.11.20

O PT da Marta, o PT do Haddad e o PT-PSOL da Erundina (que pode ser de Boulos): três formas diferentes da esquerda ver São Paulo

Era para esse texto ser um pouco diferente: queria falar das administrações petistas seguindo a cronologia, começando por Erundina, seguindo por Marta e desaguando em Fernando Haddad - mas a possibilidade concreta de Guilherme Boulos tornar-se a grande surpresa desta eleição, indo parar no segundo turno e garantindo à classe média paulistana duas semanas de fortes dores de cabeça (ou dando a Bruno Covas uma vitória antecipada), forçaram este escriba a mudar seu raciocínio.

Digo isso porque o PSOL pode ter o amarelo como cor (Boulos usa o lilás), um símbolo diferente (o solzinho simpático de Maringoni) - mas, na essência, é PT, daquele tipo que acredita que a "luta continua" em todos os momentos, não somente em época de eleição.

Sendo mais petista que os petistas, o PSOL tem lugar nesta lista - até porque representa o futuro, para aqueles seus amigos que acreditam em mudança pelas ideias e ideais (que não são poucos).

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Comecemos pelo mais pragmático, e efetivo, dos PT´s que nos governaram. Marta.

A ex-esposa do Suplicy (e sexóloga de mão cheia) se mostrou uma prefeita ligada às demandas da periferia: dá para dizer que foi a última administração paulistana que governou dos bairros para o Centro. Realizações como os CEU´s e corredores de ônibus deram a impressão de que algo estava sendo feito pelo povo, nos tempos em que ainda era possível governar fazendo "obras e mais obras".

A classe média paulistana, no final, acabou jogando o governo nos braços de José Serra, iniciando um longo período de governos bancados pelo PSDB em São Paulo. O legado, contudo, seria bastante positivo para Marta no longo prazo - já que passou a ter personalidade própria como política, a mesma que sempre ostentou em sua vida pessoal.

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Serra e Kassab consolidaram a cidade de São Paulo como feudo tucano: mas, como em toda disputa de território, em um certo momento a fadiga de material se impõe. Vítima de seus próprios erros, Serra tenta voltar à Prefeitura, mas perde para uma estrela em ascensão na "nomenklatura" petista. 

Fernando Haddad. 

A mais recente das administrações petistas foi o melhor exemplo de que sucessos de crítica podem, e muitas vezes são, fracassos de público: o governante no qual até a prefeita de Paris votaria não foi capaz de chegar a 1/4 do eleitorado paulistano ao tentar se reeleger. Parte dessa tragédia se deveu a decisões que o ex-prefeito foi forçado a tomar (como bancar os "20 centavos" pelo qual o Movimento Passe Livre lutava em 2013), mas também - e principalmente - pelo desdém com o qual tratou aqueles que reclamavam de medidas que, apesar de justas, não eram do gosto da população.

Ciclovias por toda parte podem custar bem menos que grandes avenidas, reduzir a velocidade para 50 km/h salva vidas - mas, se o cidadão comum não aprova isso, não faça dessas medidas plataforma eleitoral. Não foi à toa que Dória venceu com tanta facilidade a eleição de 2018 - o "petismo creme de avelã" não tinha mesmo como resistir, numa cidade com gente que detesta ser contrariada.

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E aí voltamos... ao início de tudo. Erundina. 1989. 

Eleição em turno único, e o milagre improvável acontece: uma nordestina, com uma arrancada de última hora, derrota os favoritos e se torna, mais do que a primeira prefeita petista de São Paulo, a única esquerdista realmente "de raiz" a comandar a cidade até hoje.

Esse detalhe parece pequeno, mas faz bastante diferença, Há esquerdas e esquerdas, de elite e do povo, velhacas e astutas - mas a esquerda-esquerda, aquela que acredita nos milagres do socialismo de verdade (que nunca foi conseguido), que tenta políticas públicas ousadas (e muitas vezes impossíveis) apenas pela vontade de atender ao pobre, que ignora qualquer pressuposto do capitalismo (até porque não acredita nele), essa esquerda, que hoje mingua no PT e que hoje está no PSOL, essa é a esquerda que move o sonho, dos jovens universitários de hoje - o grupo que apoia Boulos - e de uma certa parte da mídia, que acolhe com certo gosto o ideólogo dos sem-teto como "herdeiro" de sua vice.

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Guilherme Boulos é um cara inteligente. Colhe os frutos do domínio do PSOL junto aos universitários, via diretórios acadêmicos, e surfa na onda daqueles que acham lindo ser a favor do pobre - e, claro, contra Bolsonaro e tudo aquilo que o "mito" representa. 

Passará ao segundo turno, pelo visto - e, se Covas não atropelar os números, terá a oportunidade de vender o seu peixe, o da esquerda raiz, aquela que acredita na construção de "um mundo melhor", seja ele qual for, pelo jeito que for. No final, será vitorioso - ao menos para os seus, porque terá sido bem sucedido em vender uma utopia para quem precisa de uma (que não são poucos). 

Como dizem os Jornalistas Livres: "(...) a Utopia se constrói a partir de objetivos claros, da prática e de ações concretas, da participação popular na gestão, do compromisso político de transformação social. Jamais podemos abrir mão da esperança!" - e, enquanto gente como Boulos estiver lá, mantendo acesa a chama da esperança, a Utopia continuará por ali.

Viva - e atuante. 

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