4.7.05

Delitos comuns III
Panorama de um relacionamento que já começa do final


- Ah, não, Marcelô, pára, eu não quero, pára!!!

Já devia ser a n-ésima vez naquele ano, e sempre com o mesmo "script": beijinho p´ra cá, beijinho p´ra lá, beijo mais ardente com a língua roçando, e mexendo, e quando nosso amigo Marcelo (esse era seu nome) ia baixando as mãos, procurando roçar-se em algo mais do que a parte das costas dela ... sempre a mesma coisa: um "Ah, não, Marcelô, pára, não faz isso, eu não quero, pára ...".

Na primeira vez, foi aquele escarcéu e ela quase foi às vias de fato jurando terminar tudo: era menina direita e donzela segurando suas honras para aquele que virá a ser seu companheiro eterno - sim, elas ainda existem, embora isso seja mais raro que encontrar um gaiato que acredite no governo de plantão. Quando isso acontece, tem sempre na outra ponta um moço triscando os dentes e procurando outra oportunidade para fazer suas safadezas e aproveitar as doçuras calientes do contato dos rostos, corpos e do "et cetera" e tal, é lógico ...

Diga-se de passagem que nem sempre esses moços estão namorando pela safadeza em si (aliás, hoje em dia são raríssimos esses casos, até porque depois que inventaram outra natureza para o verbo "ficar" nem se precisa mais de "primeira vez" ou semelhante, nesse mundo que há muito deixou o romantismo de lado, frio mundo que continua cada vez mais vil ...); esse era o caso do coitado do Marcelo, rapaz que só queria mesmo o amor e o carinho da mulher que começou a namorar como quem não quer nada - e desse "não querer nada" acabou indo para um "te quero bem", que evoluiu para um "te amo demais" misturado com um "te gosto muito", e que acabou chegando na fase do "te quero tanto", que era a fase desse nosso amigo infeliz.

Quem está nessa fase ("te quero tanto") faz de tudo um pouco: corteja a família da moça, vai à reuniões de família, encara uma sogra ranzinza e um sogro distante (às vezes o contrário), torna-se o bom moço, compra presentes, encara até aquelas reuniões que ninguém gosta, com aqueles amigos chatos que você gostaria de detonar com um raio - e, enquanto isso, vê os colegas dando risinhos matreiros enquanto levam suas vidas de zorra, e se mira em outros, já mais comprometidos, ligados à mulher que amam em juras de amor eterno, que elas a-do-ram (prova de que a estratégia está dando certo, e de que "ser difícil" vale a pena, afinal).

...

E assim seguiu a vida de Marcelo: como tantos outros, depois de um tempo ele decidiu que não seria melhor esperar tanto tempo e resolveu fazer o que os homens fazem quando se sentem maduros e acham que encontraram a companhia ideal para o restante da vida (pelo menos, em tese, deveria ser assim) - emburrecer de vez, ou melhor, casar-se.

O casamento, em uma definição bem machista, sempre é uma festa maravilhosa para agradar a todo mundo, menos ao noivo; a noiva é quem brilha, os convidados é que aproveitam, mas ele no máximo vai se limitar a dizer "sim" e, se possível, comer algum cajuzinho que ficou - sem falar naquela história de vender pedaços de gravata, que quase sempre acaba justamente com aquela de seda italiana que, se brincasse, você levava consigo para o juízo final, tamanho o xodó dela.

Quando finalmente tudo termina, seguem para a lua-de-mel, mas nosso amigo Marcelo não é mais o mesmo; me parece que ele já se encheu dessa maratona toda - e isso desgasta, como não? - e, olhando a si mesmo no retrovisor do carro, vê não mais o Marcelo-moço, cheio de uma jovialidade que encantava, mas sim o "seu Marcelo", prevendo a cansativa destruição de si próprio em uma vida que lhe reservava tudo, menos a emoção que ele realmente queria, que era a de ter o proibido como gostoso, e não como obrigação, como lhe seriam os carinhos e carícias a partir daquele momento em que a sua namoradinha não mais era ela, mas sim sua esposa, sua mulher, que ele tanto desejara e que se tornara só sombra, só sombra, do que ele era de verdade.

E foi por isso que, quando ela de camisola sem nada por baixo se apresentara para a noite de núpcias, a fatal dos acompanhantes, chegando-se a ele de mansinho, foi que ele disse seu mote fatal, como um mantra de vingança:

- Ah, não, benzinho, pára, eu não quero, pára!!!

22/08/2000, 11:24

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