5.7.05

Em tempos de crise, mensalões e que tais, vale a pena ver esse texto:

Vossa Excelência

- Vossa Excelência deve saber o valor da confiança que o povo depositou em suas mãos. Deve compreender que o poder deve ser exercido como mandam as boas normas da democracia, criadas há mais de dois mil e quinhentos anos e adotadas por quase todo o mundo como princípios fundamentais da liberdade que tanto queremos para nós e nossos filhos, e que se resumem na noção de ser a democracia o governo do povo, para o povo e pelo povo !!!.

Aplausos grandiosos enchem o salão nobre do Parlamento, e todos os olhares se dirigem, não ao preletor, considerado Defensor Perpétuo da Pátria e chefe de Estado único do País, mas a quem está sentado à sua direita, aquele que será o novo dirigente do País e que deverá suceder o preletor no comando da grande nação. Olhares de admiração contemplam o velho soberano, orgulhoso de suas virtudes e amado pelos seus, e outros tantos observam, calmamente, o futuro mandatário, que deverá ser tão querido e idolatrado quanto aquele que falava naquele momento.

- Vossa Excelência, em nossos anos de convivência, sempre provastes ser digno de tal honraria. Provou conseguir o apoio de seu povo, para chegar onde chegou. Em muitos anos de vida pública e privada, jamais vi homem que conseguisse tamanha aprovação em todos os cantos do nosso País, de Norte a Sul, de Leste a Oeste, somente com seu próprio carisma

Mais aplausos completavam o ambiente festivo. Porém notava-se uma certa seriedade incomum no novo eleito, alguma coisa que destoava do ambiente - pois, naquele momento, o futuro líder olhava para os cantos, pensando consigo mesmo:

"Pois é, você chegou onde queria. Depois de tantas lutas, desilusões, fracassos, finalmente você venceu. Mas como foi duro chegar aqui! Primeiro, as prévias do partido, onde ninguém era de ninguém, e a gente tinha que conquistar os votos na raça. Ganhei, mas por pouco - e que suado! Depois, as eleições. Coisa difícil, correr atrás de eleitores, caciques políticos, apertar mãos, beijar pessoas. Fui acusado de tudo: safado, canalha, corrupto ... até estuprador e bicha! - e olha que foi tudo mentira, o que era verdade a gente manteve em sigilo, sigilo ABSOLUTO, pois não dava p´ra dizer nada. Quantos jantares, meu Deus! Quanta amolação, quantos tapinhas nas costas ... quanta falsidade"

Parou para respirar, mas continuou a pensar:

"E, no final das contas, aqui estou eu, pronto para vencer! O que virá depois? Serei mal-amado, maltratado, falarão mal de mim pelas costas, virão mais puxa-sacos, mais amolação ... e mais sujeira, e que sujeira"

Já nesse ponto, percebia-se na platéia que o grande homem suava frio. O que seria? Emoção? Luz dos holofotes? Talvez medo?

A platéia inquietava-se, e o homem pensava:

"Não sei se serei capaz de fazer isso. Não vou conseguir. Não vou ..."

- E assim, Vossa Excelência, só posso dizer-lhe uma coisa, agora que lhe passo os símbolos da Nação - que o futuro decida sobre seu destino, e que o povo decida sobre seu futuro!

Grandes aplausos, e iniciava-se a parte seguinte da cerimônia: a leitura da declaração de posse do novo governante. Após lê-la, o poder mudaria de mãos definitivamente. Não haveria chances de retorno, não haveria choros, não haveria nada - somente a mudança de poder.

O homem suava mais. Calafrios corriam por seu corpo, e sua mente pensava somente em uma coisa:

"Não vou ... não vou ... não sei se posso ... não vou ....".

Chega a hora. Levanta-se, vai ao posto de honra e começa a ler:

- Declaro.... declaro que .... declaro solene..mente....que ...

Nesse momento, tudo passa rapidamente por seu cérebro: desilusões, dinheiro, prestígio, poder, glória e um lugar na história. E conclui, sorrateiramente:

"Lutei tanto para chegar aqui, quis estar nesse momento aqui, e vou desistir? Não seria justo com o povo, com quem confiou em mim, me deu dinheiro, prestígio e votos, e principalmente, comigo mesmo! Vou aceitar essa honra de coração - há, há, ha"

E assim, enche o peito e diz:

- Declaro, solenemente, que aceito a vontade do povo que me elegeu para tão ilustre cargo deste País. Prometo lutar para que a democracia seja firme e sólida, e para que o nosso povo esteja sempre entre os grandes lugares da História. ASSIM EU JURO E CONFIRMO. DECLARE-SE! PROCLAME-SE! CUMPRA-SE !!!

Aplausos, gritos e saudações marcam o início de uma nova era. O novo líder olha para seu povo, olha para os que estão junto de si, olha para dentro de si mesmo ... e sorri, certo de que tudo aquilo que fez realmente era bom.

(escrito sob o pseudônimo de Omar Onahid Sirep, em 17/11/1995)


Um comentário:

Anônimo disse...

Bom resgate!