2.8.05

Na torre

Era um rapaz meio assim, meio assado, tímido, quieto, recatado - talvez até demais para o gosto dos outros. Não tinha um grande físico, não era muito bonito, usava óculos e estava acima do peso - enfim, não era lá grande coisa. Mas naquele dia, não se sabe porque, estava inquieto. Não parava no lugar, não queria conversa com ninguém, não falava e, quando perguntavam o que acontecia, apenas respondia um singelo: "não sei". Foi assim até o fim do dia de serviço.

Saiu, lá pelas sete da noite, foi até o estacionamento, pegou o carro ... e sumiu no mundo.

Não estava a fim de voltar para casa - fazer o quê por lá?; não queria enrolar mais no serviço, embora tivesse coisas a fazer; tinha problemas para resolver, mas ah!, isso, deixa p´ra mais tarde.

Não queria saber de nada - queria mesmo era espairecer a cabeça, dirigir um pouco, relaxar - apesar de que relaxar, às sete horas, no trânsito louco de São Paulo, era realmente coisa difícil de se pensar. Mas, assim mesmo, foi.

Brigadeiro, Paulista, Ibirapuera, volta no parque, Paulista, Consolação, Praça da República, São João, Augusta, Paulista, Alameda sei lá o quê, Paulista, Paulista, Paulista ... retorna perto do Paraíso, e torna a Paulista.

Nessa brincadeira já são onze horas, os casados estão em casa, os solteiros bagunçando (ou seria o contrário? Não sei, nesse "admirável mundo novo onde circulam criaturas tais" ...), e então alguma coisa acontece.

Pára em frente à um dos prédios. Paulista, 900, imagem viva de uma avenida que representa dinheiro, fama e poder nos tempos do Brasil Real.

Sobe as escadas. Não sabe porque, mas alguma coisa o leva mais alto, procurando o topo do local, o topo do mundo, sempre em frente, sempre acima.

Escada daqui, corredor dali, elevador acolá, chega ao seu objetivo.

A torre. Enorme torre de onde saem imagens e sons que chegarão em casas onde pessoas distraídas estarão, naquele momento, assistindo um bom filme, depois da sagrada novela das oito de todas as noites.

Uma escada. O caminho para onde ele quer chegar.

Sobe, sobe, mais e mais alto, até que, chegando ao topo, ele tem a visão mais magnífica que um ser humano poderia ver.

Uma mulher. Sim, uma mulher. Do jeito que ele queria, do jeito que sempre sonhou. Linda, bela, magnífica escultura de um gênio da arte ... a acenar para ele, pedindo que faça com ela o que ele sempre quis.

Aproxima-se, e nesse momento tem inicio um ato que sobressai as forças da natureza. Beija-a, abraça-a, acaricia seus maravilhosos cabelos soltos ao vento. Arranca de si tudo o que pode impedí-lo nessa prodigiosa hora, e inicia-se o ato em si.

Nesse momento, o que sente é tão maravilhoso que nada poderia ser descrito à um estranho depois - pois nada que se sente de uma forma é passível de ser entendido por outros. E tudo isso em um ritmo crescente, que o faz esquecer as noites mal dormidas, o trabalho enfadonho, as atividades sem sentido que tinha feito ao longo de sua vida, e tudo o mais.

Morrer? Não se importava. Morreria feliz, sabendo que se sentia bem.

Chega o ápice. Geme, grita, sua, sofre, delira!

Tinha concluido o que viera fazer ali.

É então que ouve um ruído, como de asas batendo, várias asas em sincronia. Olha para a direção de onde surgiu o ruído, e vê ... um helicóptero, e um homem de dentro falando, por um megafone:

" Atenção, vocês que estão em cima da torre. Os senhores serão levados à delegacia por crime de atentado ao pudor e perturbação da ordem pública. Queiram descer para serem acompanhados pelos policiais que estão à porta do mesmo elevador por onde entraram ..."

(Observação: a frase original não seria liberada nem para maiores de 21 anos.)

Ao ter consciência da realidade, ele olha para a mulher que foi sua parceira naquela noite. Vê em seus olhos o mesmo ideal, o mesmo propósito, enfim - o mesmo sentimento de nulidade emocional e de dever cumprido que os levaram ali, levados sabe-se lá por que mão, para fazer ... sabe-se lá o que.

Ele a beija e lhe dá sua mão, no que é correspondido.

E os dois pulam - para o infinito.

...

Manchete da Folha de São Paulo do dia seguinte: "Loucos amantes pulam para a morte, nos céus de São Paulo."


(escrito sob o pseudônimo de Omar O. Sirep. em 27/10/1995)

Nenhum comentário: