8.3.11

Prosa: O dia da renúncia

Decidiu - no dia seguinte, 8 de março, abandonaria tudo, tudo mesmo.
Era Dia Internacional da Mulher, o dia dela, dela e de tantas outras, portanto que se virassem os que dependiam dela porque ela ia mesmo era à festa, mulher que 364 dias passa correndo para cuidar de marido e filhos, e nada pra ela.
Então, bem de manhãzinha, ela saiu.
Saiu pelos shoppings, e pelas ruas, e pelos lugares onde o dia chegava, o Dia da MULHER.
Mas percebeu um negócio intrigante: em todas as propagandas, em todos os lares, por todos os lados, não se viam mulheres sozinhas, independentes e donas de si.
Mesmo a independente cuida de seu corpo para conquistar os homens e invejar as outras, e o sabão em pó vende para mulheres que cuidam de sua casa.
As mulheres não estavam sozinhas, estavam com seus maridos, amigos, namorados, com os homens que criticavam tanto nos outros dias e mesmo nesse também faziam - percebeu que até a notícia era requentada, e, ao ver os homens sozinhos fazendo fiu-fiu, percebeu que não dava.
Voltou para a própria casa, era quase meio-dia; a cama estava arrumada, ainda que mal-ajambrada, o marido ainda fez o café, e então ela assumiu.
Fez o almoço gostoso, arrumou alguma coisa, foram fazer compras e o dia, no final, até que foi bom, descontando o que ficou para o dia seguinte.
E à noite ela, caindo no sono, é que percebeu o óbvio.
Negava que gostava daquilo, mas no fundo gostava de ser mulher, mãe, amiga, tudo ao mesmo tempo; e que vale ter a tal da liberdade se não se pode usá-la para estar com os que se gosta e fazer o que se quer?
E daí prometeu a si mesma: nunca mais iria abandonar aquele inferno gostoso, nem renunciar àquilo que, no fundo, era sempre seu ...

08/03/04, 11:17

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