16.3.18

Caso Marielle: eu entendo, e não entendo.


Eu entendo a comoção: quando uma defensora dos Direitos Humanos morre de maneira trágica sempre é motivo para se lamentar, por qualquer coisa. Descaso das autoridades, desrespeito com o ser humano, clamor por Justiça - todo motivo é relevante, toda dor é justa, toda indignação é válida.

Quando a vítima é membro de diversas minorias (mulher, negra, lésbica) dá para entender mais ainda a gritaria de um certo tipo de "elite progressista", que vê no homem branco hétero o grande autor de tudo o que há de mal na sociedade moderna - e, ainda que o que mais vejamos hoje seja um tipo de pseudo-covarde incapaz de amar uma mulher "como Cristo amou a Igreja", não se pode negar que a elite da sociedade deseja exatamente isso (mesmo que reclame depois).

Eu entendo o clamor de gente que despreza a intervenção federal no Rio, e que gostaria de ver o dinheiro que está indo para a Polícia revertido em livros e flores. Sério, eu entendo quem pensa que tudo possa ser construído em diálogos, e rodas de conversa, e apelos ao amor.

Como não entender, não sonhar... como não esperar que tudo isso seja possível? Como não querer o fim das barbaridades, dos milicos, das milícias - "tem que acabar, a Polícia Militar", não era esse o grito entoado na Candelária ontem à noite?

...

Eu entendo. Juro que eu entendo. 

Quer dizer, não juro, mas entendo. 

...

O que eu gostaria de saber, entretanto, é como é que esperam que o pobre, das favelas e periferias entenda isso. Este cidadão, coitado, não aparece no "Jornal Nacional" quando morre, nem ficam consternados, em silêncio, quando os créditos do "Hoje" são exibidos na tela da poderosa.

O indivíduo que sobrevive ao crime nas favelas é alguém que merece nossas homenagens: vive em um lugar sem um pingo de dignidade, mas luta o tempo todo contra o caminho mais fácil, que lhe traria vantagem. Não dá para questionar, por exemplo, o que Nem fez pela filha: tornar-se uma lenda do tráfico e ficar preso por anos era o preço a pagar quando o custo é a perda de um ente querido.

Eu tenho uma filha. Sei como é isso.

Só não sei se minha filha perdoaria que eu me tornasse um traficante. Não imaginaria que ela estivesse indo atrás de mim na cadeia, dizendo, com orgulho: "ele fez tudo isso por mim".

...

Coincidência por coincidência, a fala de Nem e a morte de Marielle atingem o mesmo público: uma turma pseudo-esquerdista, que acredita no poder da Palavra mais do que nos atos de força. Esse pessoal só não pediu a cabeça de policiais militares porque, logicamente, não é bonito fazer isso.

Claro, tem algo melhor a fazer: criticar o "golpista" Temer e sua intervenção.

Só não explicaram, é claro, como o cidadão das favelas, aquele que sobrevive todos os dias no pior dos lugares, vai ficar mais seguro com retórica vazia. Não o "empoderaram" o suficiente para que resistisse ao traficante que o atinge, e ao policial que o rouba costumeiramente.

Não lhe deram dignidade. Não lhe dão valor. Não lhe dão NADA QUE PRESTE.

Só dão uma retórica vazia - e muitas flores, que murcham logo.

...

Eu entendo o choro das elites pela morte de uma dos seus. O que eu não entendo (ou não tolero) é porque eles pensam que o pobre deveria ter comoção genuína pela morte de Marielle.

Nenhum comentário: