18.7.12

Prosa … gosto dessa …

Ressaca

Durante o dia, sonhos estranhos vagueiam a vida dos homens e mulheres que vivem de noite, a cruzar o espaço de um mundo sombrio.

São sonhos malditos, compostos de nuvens escuras, brilhos fortes, claros como o sol, grandiosas combinações de delírios e vontades, vidas vividas, coisas não ditas, palavras escuras, e muita emoção.

E, com ele, não seria diferente.

Havia passado a noite em claro, vagabundeando feliz e sorridente por entre os becos escuros da noite da cidade - noite esta que guarda a emoção do sorriso fácil, do grande cinismo, da vida feliz que se procura nos cantos, sem encontrá-la, sem nem ao menos achar algo que o fizesse esquecer os dias chatos que sempre vivia.

Que grande noite havia sido aquela!

Bebera, comera, de mulheres se fartara, até mesmo enfastiado estava, tanto havia aprontado, tanto havia vivido.

E, ao mesmo tempo, tão só se sentia, como se lhe faltasse alguma coisa que o fizesse sentir bem consigo mesmo.

Valera a pena tudo aquilo ?

Quer dizer, será que tinha sido bom ?

Olhava, dentro de si mesmo, para aquilo que era.

Sentia-se vazio, apesar de tranquilo.

Relaxado, talvez, seria a melhor palavra para definir seu estado de espírito, naqueles breves momentos que antecediam o raiar do sol.

A que horas teria voltado à sua casa ?

Três, quatro, quatro e meia ?

Não se lembrava, também não importava muito - teria que acordar, mais cedo ou mais tarde, para viver o real, o trabalho sofrido, as chagas do dia, a dureza do sol, sol que ele odiava, mas que também temia, e que o fazia sentir a necessidade de acordar.

Valera a pena ?

Para ele, valeu.

Pois para ele, viver era estar assim, intensamente, tentando fazer da vida uma grande loucura nas brincadeiras do destino.

Valeu, sim.

Outra hora, faremos de novo, e de novo, de novo, de novo, até o fim, quando tudo perder-se, e a vida se tornar, para ele, uma vaga lembrança daquilo que ele foi, e do que teria sido.

E do que ele viveu.

fps, 04/01/1996

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