24.1.13

Prosa


Na torre

Era um rapaz meio assim, meio assado, tímido, quieto, recatado - talvez até demais para o gosto dos outros. 

Não tinha um grande físico, não era muito bonito, usava óculos e estava acima do peso - enfim, não era lá grande coisa. 

Mas naquele dia, não se sabe porque, estava inquieto. 

Não parava no lugar, não queria conversa com ninguém, não falava e, quando perguntavam o que acontecia, apenas respondia um singelo: “não sei”. 

Foi assim, até o fim do dia.

...
                
Saiu, lá pelas sete da noite, foi até o estacionamento, pegou o carro ...
               
Não estava a fim de voltar para casa - fazer o quê por lá?; não queria enrolar mais no serviço,  embora tivesse coisas a fazer; tinha problemas para resolver. 

Mas ah!, isso, deixa p´ra mais tarde.

Não queria saber de nada - queria mesmo era espairecer a cabeça, dirigir um pouco, relaxar - apesar de que relaxar, às sete horas, no trânsito louco de São Paulo, era realmente coisa difícil de se pensar. 

Mas, assim mesmo, foi.
                
Brigadeiro, Paulista, Ibirapuera, volta no parque, Paulista, Consolação, Praça da República, São João, Augusta, Paulista, Alameda sei lá o quê, Paulista, Paulista, Paulista ... retorna perto do Paraíso, e torna a Paulista.

...

Nessa brincadeira já são onze horas, os casados estão em casa, os solteiros bagunçando (ou seria o contrário? Não sei, nesse “admirável mundo novo onde circulam criaturas tais” ...), e então ... acontece.

...

Paulista, 900, imagem viva de uma avenida que representa dinheiro, fama e poder nos tempos do Brasil Real.

...

Sobe as escadas. 

Não sabe porque, mas alguma coisa o leva mais alto, procurando o topo do local, o topo do mundo, sempre em frente, sempre acima.

Escada daqui, corredor dali, elevador acolá.

E chega aonde queria.

...

A torre. 

De onde saem imagens e sons que chegarão em casas onde pessoas distraídas estarão, naquele momento, assistindo um bom filme, depois da sagrada novela das oito que, todas as noites, começa às nove e meia em ponto.

...

Uma escada. 

Sobe, sobe, mais e mais alto, até que, chegando ao topo, ele tem a visão mais magnífica que jamais, em sua vida medíocre, imaginara ver.

...

Uma mulher. Do jeito que ele queria, do jeito que sempre sonhou. 

Linda, bela, magnífica escultura de um gênio da arte ... tal como Eva, a acenar para ele, pedindo-lhe com os olhos que faça o que sempre foi desejo dele.

Aproxima-se, e nesse momento tem inicio um ato que sobressai as forças da natureza. 

Beija-a, abraça-a, acaricia seus maravilhosos cabelos soltos ao vento. Arranca de si tudo o que pode impedí-lo nessa prodigiosa hora.

Inicia o ato. Crepúsculo dos deuses numa noite fria, na grande cidade.

o que sente é tão maravilhoso que nada poderia ser descrito à um estranho depois - pois nada que se sente de uma forma é passível de ser entendido por outros. 

E tudo isso em um ritmo crescente, que o faz esquecer as noites mal dormidas, o trabalho enfadonho, as atividades sem sentido que tinha feito ao longo de sua vida, e tudo o mais.

Morrer? Não se importava. Morreria feliz, sabendo que se sentia bem.

...

Chega o ápice. Geme, grita, sua, sofre, delira!

"Consumatum est". Está consumado.

É então que ouve um ruído, como de asas batendo, várias asas em sincronia. Olha para a direção de onde surgiu o ruído, e vê ... um helicóptero, e um homem de dentro falando, por um megafone:

“ Atenção, você que está aí, na torre. Será levado à delegacia por crime de atentado ao pudor e perturbação da ordem pública. Queira descer para ser acompanhado pelos policiais que estão à porta do mesmo elevador por onde entraram ...”

...

Ao ter consciência da realidade, ele olha para a mulher que foi sua parceira naquela noite. Vê em seus olhos o mesmo ideal, o mesmo propósito, enfim - o mesmo sentimento de nulidade emocional e de dever cumprido que os levaram ali, levados sabe-se lá por que mão, para fazer ... sabe-se lá o que.

Ele a beija e lhe dá sua mão, no que é correspondido.

E os dois pulam.

Para o infinito.

...

Nos jornais do dia seguinte, a manchete: "Louco invade torre de TV e pula para a morte; trânsito parado, evite a Avenida Paulista pela manhã" ...


fps, 30/11/12, 19:23

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