O dia da renúncia
Decidiu - no dia seguinte, 8 de março,
abandonaria tudo, tudo mesmo.
Era Dia Internacional da Mulher, o dia dela, dela
e de tantas outras, portanto que se virassem os que dependiam dela porque
ela ia mesmo era à festa, mulher que 364 dias passa correndo para cuidar de
marido e filhos, e nada pra ela.
Então, bem de manhãzinha, ela saiu.
Saiu pelos shoppings, e pelas ruas, e pelos
lugares onde o dia chegava, o Dia da MULHER.
Mas percebeu um negócio intrigante:
em todas as propagandas, em todos os lares, por todos os lados, não se viam
mulheres sozinhas, independentes e donas de si. Mesmo a independente cuida de
seu corpo para conquistar os homens e invejar as outras, e o sabão em pó vende
para mulheres que cuidam de sua casa; as mulheres não estavam sozinhas, estavam
com seus maridos, amigos, namorados, com os homens que criticavam tanto nos
outros dias e mesmo nesse também faziam - percebeu que até a notícia era
requentada, e, ao ver os homens sozinhos fazendo fiu-fiu, percebeu que não
dava.
Voltou para a própria casa, era
quase meio-dia; a cama estava arrumada, ainda que mal-ajambrada, o marido ainda
fez o café, e então ela assumiu.
Fez o almoço gostoso, arrumou
alguma coisa, foram fazer compras e o dia, no final, até que foi bom,
descontando o que ficou para o dia seguinte.
E à noite ela, caindo no sono, é
que percebeu o óbvio: negava que gostava daquilo, mas no fundo gostava de ser
mulher, mãe, amiga, tudo ao mesmo tempo; e que vale ter a tal da liberdade se
não se pode usá-la para estar com os que se gosta e fazer o que se quer?
E daí prometeu a si mesma: nunca
mais iria abandonar aquele inferno gostoso, nem renunciar àquilo que, no fundo,
era sempre seu ...
08/03/04,
11:17
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