Pais são criaturas adoráveis: sábias, compreensivas, capazes de tudo por seus filhos - mas tudo seria mais fácil se eles entendessem que já foram crianças um dia. Entender Bluey, desenho que bate recorde atrás de recorde em exibições no streaming da Disney (mesmo sendo uma produção australiana) passa por esse pressuposto.
Como não se encontram muitas informações sobre a origem do desenho em português além do seu sucesso, vale a pena contextualizar isso: Joe Broom, criador da série, voltara ao seu país depois de anos trabalhando no Reino Unido com o sonho de fazer uma "Peppa Pig australiana" - e conseguiu a inspiração para o projeto na própria casa, a começar do impacto que a mais velha teve quando mudou de cidade (e escola), sendo transferida para uma instituição com um formato de ensino mais abrangente.
Joe, pai de duas filhas, da terra do cachorro boiadeiro australiano, também chamado "blue heeler" ou "red heeler", ou "bingo", que quando criança tinha um "pet" chamado Bandit...
... a inspiração para séries de TV na própria vida não é novidade, Mônica e sua turma são exemplos disso, mas é um fato: Bluey atingiu um sucesso estupendo e merecido, com crianças e adultos.
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Bluey foi definido por seu autor como "uma Peppa Pig para maiores", o que torna-se mais evidente quando se percebe que Broom e sua equipe focalizaram seus esforços no público que começou na TV adorando as estripulias da porquinha britânica. Há, porém, um detalhe a mais: a série foi feita pensando num modelo de família mais participativo, moderno, colaborativo - e que entra, direta ou indiretamente, em choque com os papeis que pais e mães costumam exercer diante dos filhos.
É fácil considerar o seriado australiano como algo que subverta a autoridade paterna: no primeiro episódio se vê uma brincadeira que quase culmina no beijo entre dois "homens", brincando de cavalinho macho e fêmea. Em vários momentos as brincadeiras chegam a um limite que poderia ser considerado de muito mau gosto se não encararmos que são pais entrando no clima lúdico que cerca os jogos familiares - sem falar em tantas horas nos quais a autoridade dos pais parece ser constantemente testada, contestada e confrontada por crianças cada vez mais "mandonas".
Um desastre para a educação familiar, na opinião de muitos pais - e também uma injustiça, considerando-se a quantidade de momentos ternos e edificantes que a série possui.
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"Mas porque seria injusto condenar um desenho que trata os pais como idiotas, e as crianças como heroínas? Porque tratar uma série infantil que deseduca nossos filhos como algo bom?"
Porque bem... porque desenhos infantis são feitos para crianças, oras!
Lembre-se desta regra toda vez que for criticar algum desenho que passe na TV: desenhos infantis NÃO são feitos tendo em vista as atitudes que os pais achariam corretas para seus filhos. Eles não assistiriam algo que repetisse mantras como "coma seus legumes" ou "obedeça seus pais" diretamente - aliás, ninguém assistiria algo tão incisivo, não se assiste nada na mídia para ser doutrinado..
... e, quando se tenta fazer isso, o repúdio vem, como demonstrado pelo "quem lacra não lucra".
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Crianças gostam de se ver como protagonistas do mundo em que vivem. Elas querem ser as mocinhas, dar lições de moral, fazer e acontecer; querem brilhar, ser reconhecidas, donas do mundo (ou do seu mundo) - e também querem ser amadas, instruídas, ter carinho, compreensão e colo.
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P. S.: uma das coisas que me incomoda muito em Bluey é que quase sempre o antagonista é Bandit, o pai, que chegou até a ser disciplinado pela filha num episódio; depois, contudo, relembrei o que ouvira de um presbítero e me aquietei - "o homem será responsável, mesmo que não seja responsável".
P. S. (II): no momento em que escrevia esse texto, em julho de 2024, Bluey era exibido na TV Cultura de São Paulo, como parte do acordo que eles tem com a BBC (garantia de boa série).
P. S. (III): mesmo com esse negócio de "mais respeito, elas são crianças" a Disney censurou trechos e episódios inteiros que passaram no original australiano - mostrando que não são todos os pais que levam com tranquilidade a ideia de "tá tudo bem, é só um desenho".
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