31.3.06

Eu adoro esse texto !!!

Delitos comuns

(Um jantar de família)

 

            A noite estava festiva.

 

Era um jantar de família, e, naquela casa, reinava a aparente paz. A casa, que bem se falasse, até que não era feia - era muito bonita, e, por suas enormes janelas, a luz do luar reinava, sorridente e faceira, como se o motivo da festa fizesse a chuva parar, e a Lua surgir, bela e enorme, guiando o coração dos amantes e fazendo com que a alegria se tornasse perene, e firme - como todo momento em que uma família se reúne para comemorar.

 

            A família, bem se diga, não era muito diferente daquelas de classe média que, volta e meia, surgem pelos cantos e esquinas da grande cidade. Era, até, uma família bem normal: o pai, de seus cinquenta anos mais ou menos, cabelos brancos ora aqui ora ali; a mãe, uma simpática matrona de seus quarenta e poucos anos, aparentando um pouco menos, cujo sorriso iluminava a casa e fazia com que qualquer pessoa se sentisse seu filho, e tivesse vontade de sentar em seu colo, para ser ninado de novo, como nos tempos de criança.

 

O avô, um velho meio ranheta, parecia a imagem daqueles avôs que fumavam cachimbo - escondidos da ''vó'', é claro - e faziam as risadas surgirem de um canto a outro da sala, com seu jeito seguro e pomposo de quem já fez de tudo na vida, e podia ter feito mais - não fosse a idade - e a ''vó'', com seu jeito sincero, parecia uma daquelas que a gente já conhece de longe, mimando seus netos com presentes e sempre fazendo as vontades dos mesmos, como se pudessem ter de novo por perto os filhos que maduros já estão.

 

            Ah, os netos, eu já ia me esquecendo deles ...

 

O mais velho, 23 anos mal completados, já noivo e pensando em casar; era o mais responsável, e, por isso, talvez o que mais ''pose'' tinha, e o mais ''tradicional'' entre todos. O do meio, com seus bons 20 anos, era um garboso rapagão, desses que as mulheres suspiram e fazem de tudo p´ra namorar - ou, ao menos, ''ficar'', quem sabe - e, finalmente, a menina, com seus 17 anos, um doce de menina - embora já fosse mulher, cobiçada por todos, e assim, bem singela e serena, levava a vida, a faculdade e o dote de quem foi muito bem-educada pelos seus pais.

 

         O jantar é em homenagem ao aniversário do avô, e agora o pai vai falar:

 

         - Meu pai, esta festa é sua. Foram anos e anos de dificuldades e sofrimento, mas agora, vendo a família reunida, o senhor pode dizer que, finalmente, depois de tudo o que passou, finalmente o senhor pode se dizer um vencedor por excelência, e que ...

 

          -  Meu filho - diz o avô, com ar sério - não vamos esperar que todos fiquem com fome, certo ?

  

         - É isso aí, ''vôzão''. ''Vamu'' comer...

 

         - Mais seriedade, menino! Veja como fala - era a mãe que falava.

 

         - Deixa disso, minha filha. Deixa ele falar como quer ...

 

         - Tudo bem, então. Vamos nessa !

 

         A comida, bem dividida, demonstrava que a noite seria repleta de felicidade. Ou não ?

 

         Bem, vejamos o que pensam nossos caros amigos enquanto comem:

 

         O pai: ''Pois é, a festa está muito boa. É bom ver a família reunida, em torno da mesa - o que quase nunca acontece, já que nenhum desses três fica em casa, na hora da comida. O mais novo sempre sai, indo sei lá para onde. E essa menina, meu Deus, como come - porque não fica gorda ? E o mais velho, está cego. Essa menina não é de confiança, e ele ainda insiste em dizer que ela é ''o amor de sua vida'', e isso, e aquilo, e coisa e tal ... Bah! Espera só daqui a cinco anos, casado e esperando um filho, com uma chata nas costas, que você vai ver o que é bom ...''

 

         A mãe: ''Bem, é ótimo que a família esteja reunida finalmente - depois de tantos anos. Aliás, nem sei para que - esse velho caduco não vale mais nada, mesmo. Quando mais novo, vivia contando vantagem, dizendo ''meu filho isso'', ''meu filho aquilo''. Disse-me até que eu não era capaz de segurar a família, vejam só ? E ele, que sempre quis dominar o próprio filho, com a ajuda da velha ? É mesmo um grande cara de pau esse homem - e, se não fosse meu sogro, dava uma na cara dele que ele ia ver só ...''.

 

         O avô: ''Essa festa está muito bonita - é pena que meu filho não saiba educar a família corretamente. O mais novo, vejam só, está uma lástima - cabelo comprido, bermuda maluca, brinquinho na orelha ... Bah! Se meu filho aparecesse desse jeito em casa, eu juro que dava uma surra nele! Também, com a mulher que ele tem - não tinha coisa melhor não ? Ah, meu Deus, no que foi que eu errei !!! ...''

 

         A avó: ''Esse velho ranheta deve estar pensando alguma coisa ruim. Também, nunca vi homem mais ranzinza, seja velho ou jovem, o mesmo maldito ... como era mesmo que meu filho falava ? Ah, já lembrei ... re-a-cio-ná-rio. Pelo menos, meu filho parece feliz - ainda bem, pois parece que meu filho deu um jeito naquela menina. Só não sei o que ele tem na cabeça, mas, ainda assim, está bem - pelo menos, não nos pediu dinheiro até hoje ...''.

 

         O filho mais velho: ''Isso aqui não parece uma festa. Parece uma obrigação, não tem jeito. Sempre, todo ano, a mesma porcaria, o mesmo discurso, as mesmas estórias do meu avô, que até o brilho perderam. Mal vejo a hora de voltar para minha querida, ela que deve estar em casa, ou na casa do tio. Não sei nem porque estou aqui - o meu ''vô'' já ´tá velho, e uma decepção dessas ia ser dura p´ra ele. Mas, bem, vamos levando, que tudo está bem.''

 

         A filha: ''Meu Deus, o Marquinhos nem ligou p´ra mim. Eu não sei o que eu faço, não sei o que eu digo, não sei, não sei nada. Como é que eu vou falar do que aconteceu p´ros meus pais ? Talvez, eles vão entender - ainda bem que não aconteceu mais nada, senão eu estava frita! Ah, Marquinhos, por que você não liga ???''.

 

         O filho mais novo: ''Isso aqui ´tá uma droga, nem deixaram eu por o CD do Nirvana - o ''velhão'' não gosta. E o ''vôzão'' tá caquético, meu Deus, tá bem mal o homem, hein ? Fazer o que - aceitei essa história de ''família feliz, reunida, exaltando os valores de bem'' - que caretice ! Queria estar é bem longe daqui, num barzinho, curtindo a Valéria... Ou será a Soraia ? Não sei, é tudo igual mesmo ...''.

 

...

 

         Os pratos já foram comidos. Depois da salada doce - ''mó legal'', segundo o mais novo, para desespero da ''vó'' - e do pernil recheado - ''magnífico'', de acordo com o gosto culinário do mais velho, o que rendeu um suspiro ao avô, obrigado a comer franguinho desossado - ''é o colesterol'', como sempre - o pai - sempre ele - se levanta, e propõe:

 

         - Vamos fazer um brinde ?

 

         - Um brinde ... brinde a quem ?

 

         - Ao ''velho'', ora!

 

         - Mais modos, menino !

 

         Todos se levantam, para brindar, e é o pai que se dispõe a falar ''umas simples palavras'':

 

         - Meus filhos, meu pai, minha mãe, minha querida, a única coisa que posso falar é o que eu sempre digo, e disse, nesses anos todos: que a cada momento, em cada lugar, existem famílias que se separam, e que se desfazem, que pelos problemas da vida se fazem infelizes. No entanto, me sinto orgulhoso de dizer que esta família não é assim, nem nunca será. Nossa família sempre será um modelo, um exemplo, um guia a mostrar aos homens e mulheres desse mundo que é possível jamais deixar de ser gente, como uma família honesta e feliz.

 

         E, diante de sorrisos gratificados, convocou:

 

         - Um brinde! Um brinde a família!

 

         - Um brinde!

 

         E, assim, todos beberam e se regalaram - como sempre acontece, todo ano, no ''jantar da família feliz''.

 


Omar O. Sirep (FPS), em 28/10/1996

30.3.06

Solidão (vista pelo Chico Buarque)

Solidão


Solidão não é a falta de gente para conversar, sair, namorar, passear ou... 
Isto é carência.

Solidão não é o sentimento que experimentamos pela ausência de entes queridos que não podem mais voltar... 
Isto é saudade.

Solidão não é o retiro voluntário que a gente se impõe, às vezes, para realinhar os pensamentos... 
Isto é equilíbrio.

Solidão não é o claustro involuntário que o destino nos impõe compulsoriamente para que revejamos a nossa vida...
Isto é um princípio da natureza.

Solidão não é o vazio de gente ao nosso lado...
Isto é circunstância.

Solidão é muito mais do que isto.

Solidão é quando nos perdemos de nós mesmos e procuramos em vão pela nossa alma...


Francisco Buarque de Holanda

29.3.06

Prosa, antiiiiga ...

Enquanto não volto à nossa programação normal, segue uma pequena prosa, dos tempos em que eu procurava fazer apenas alguns ensaios sobre a vida ...


 

A brevidade da vida

 

                Nada é tão bom quanto a primeira vez em que se faz alguma coisa. É engraçado, mas a verdade é que, com o tempo, tudo aquilo que nos acostumamos a fazer torna-se banal e triste, como as aves negras que cruzam os céus do Nordeste, à procura de pão. No entanto, tudo aquilo que acontece de novo em nossas vidas é encarado como um prenúncio de coisas que poderão acontecer de melhor, e as novidades podem ser, no fundo, exatamente as mesmas coisas, só que com um toque pessoal a mais, um certo tempero, uma certa dose de aventura e leveza, um certo quê de diferença, uma certa ... novidade, digamos assim - e isso é só o começo.

 

                Tomemos a escola, por exemplo. Quando iniciamos as aulas, vendo companheiros com quem não tinhamos o prazer de estar até pouco tempo atrás, aprendendo novas estórias que nos são passadas dia após dia, hora após hora, tornamo-nos pessoas mais maleáveis, e aquilo que deve ser nossa obrigação é encarado como um grande prazer, que é vivido intensamente ... até o momento em que, de tanto ouvir as mesmas coisas todo santo dia, e ver as responsabilidades pesando, nos tornamos pessoas chatas, cansadas e deprimidas, com vontade de jogar tudo p´ro alto e ir embora, e perder de vista o que tivemos antes ali.

 

                São coisas da vida, fazer o quê.

 

                No entanto, tudo passa, assim como tudo volta, dia após dia, em cada tempo que tivemos, em nós mesmos. São as vontades que temos de que tudo se renove, e que, a cada dia, mais e mais, possamos estar juntos, eu, você que me lê e todos nós, dia após dia, hora após hora, em cada momento, em nossos corações.

 

                Porque tudo, meus amigos, resume-se no fato de que, um dia, não haverá novidades para nós - e que, nesse dia, todos teremos que encarar a última novidade, o último fato, o fim da vida ... e o começo de outra, não importa o que façamos, ou tentemos fazer, para encarar tudo isso. E por isso esse texto é tão breve como as folhas que caem, ou as aves que voam, e por isso é que falamos tanto nesse grande assunto que é a brevidade da vida.

 


 

(FPS, sob o pseudônimo de Omar O. Sirep, em 26/02/1996) 

13.3.06

Prosa

Maldito Asperger

- Bom, eu estava dizendo que a análise fundamental das partículas do sódio mostrou-se muito favorável no caso Jones-Berkenheuer, e que por causa disso muitas vidas foram salvas com aquela atitude ousada ...
 
Foi interrompido bruscamente pela estória da menininha que passou no noticiário das oito - oito e meia, para falar a verdade, porque nunca a televisão respeita o direito do telespectador a um jornal que começa no horário e termina no horário. Sim, reconhecia que aquela não era uma decisão impensada, mas sim uma atitude marqueteira da emissora, que retardava ou acelerava sua programação de acordo com a sensibilidade da audiência; entretanto, aquilo lhe incomodava, como se a percepção de que a rotina se alterava de forma brusca demais para o entendimento dele.
 
Mas o assunto passou, e posteriormente ele tentou voltar com a velha arenga:
 
- Bom, como eu estava dizendo, aquele caso das partículas do sódio foi muito interessante ...
 
Outra interrupção, dessa vez para verem a novela - e naquela hora a casa era silêncio, ele não poderia falar muita coisa porque a fulana estava na sala da estória conversando com a beltrana sobre sicrano que a maltratou. Ele já sabia o que poderia e o que não poderia acontecer, e também sabia que todos estavam prestando atenção porque gostavam, mas algo o maltratava; já tinha a idéia de que as partículas de sódio não eram de interesse geral, e por isso tentou pensar em qualquer outra coisa o fizesse esquecer de Berkenheuer e do sódio e das partículas que giravam em torno daquela estória que ele achava interessante, mas que ninguém conseguia entender de imediato.
 
De tal forma que esqueceu a estória, até o momento em que ouviu da mãe a frase que o deixaria possesso:
 
- Mas filho, que estória era aquela do sódio mesmo?

FPS, 13/03/06, 11:35
 

8.3.06

No Dia Internacional da Mulher, uma pequena homenagem ...

Declaração do amor sublime

Vejo no mundo pessoas
que prezam mais a si mesmo
que outros assim.
 
Quantos homens não vejo pensando
que seriam muito mais felizes
se não cedessem as vontades
da própria mulher.
 
Sucumbir às vontades da mulher?
Porque isso seria ruim?

Preferia mil vezes
ceder às vontades de minha amada
que estar longe dela,
deixar de sentir seus beijos,
seus lábios,
sua pureza angelical.
Nos braços dela encontro a paz,
e me sinto feliz:
amo e sou amado,
faço o que posso, e recebo
o pendão desejado.
 
Luto por ela,
sonho, cresço, recebo,
e aí eu me sinto
como as flores de um lindo jardim,
cultivadas em lindas montanhas,
crescendo, seja em tempo bom
ou em tempo ruim.
 
E com isso, recebo as respostas:
alguém que me ama,
que me quer feliz,
que luta por mim,
do seu próprio jeito,
assim como eu também luto
com o que tenho em mim.

Sucumbir? Eu prefiro, sim.
 
Viver, sim, por ela
e depois por mim.

FPS, 25/05/2001, 15:34

P. S.: Elaine, te amo.

3.3.06

Leis e princípios demonstrados empiricamente:

"O seguro cobre tudo, menos o que aconteceu." (Lei de Nonti Pagam)

"O preço a pagar é sempre maior que o pressuposto, exatamente 3,14 vezes o pressuposto. Daí a importância do número Pi." (Lei de Mife Raram)

"Quando você estiver com apenas uma mão livre para abrir a porta, a chave estará no bolso oposto." (Lei de assimetria de Laka Gamos)

"Quando tuas mãos estiverem sujas de graxa, vai começar a te coçar no mínimo o nariz." (Lei de mecânica de Tukulito Tepyka)

"Não importa por que lado seja aberta a caixa de um medicamento. A bula sempre vai atrapalhar." (Princípio de Aspirino)

"Quando você acha que as coisas parecem que melhoraram é porque algo te passou desapercebido." (Primeiro teorema de Tamus Ferradus)

"Sempre que as coisas parecem fáceis, é porque não atendemos todas as instruções." (Principio de Atrope Lado)

"Se você mantém a calma, quando todos perderam a cabeça, é porque você não captou o problema." (Axioma de Lento Tapado)

"Os problemas não se criam, nem se resolvem, só se transformam." ( Lei da persistência de Waiterc Pastar)

"Você vai chegar ao telefone exatamente a tempo de ouvir quando desligam." (Principio de Ring A. Bell)

"Sempre que você vai se conectar a Internet, recebe a chamada que estava esperando." (Principio de Dialer)

"Se só existirem dois programas que valham a pena assistir, os dois passarão na mesma hora." (Lei de Kika Gadha)

"A probabilidade que você se suje comendo é diretamente proporcional à necessidade que você tenha de estar limpo." (Lei de Putz Kiparil)

"A velocidade do vento é diretamente proporcional ao preço do penteado." (Lei Meteorológica Barbeiro Pagarás)

"Quando, depois de anos sem usar, você decide arquivar alguma coisa, vai precisar dela na semana seguinte." ( Lei irreversível de Kitonto Kifostes)

"Sempre que você chegar pontualmente a um encontro não haverá ninguém lá para comprovar, e se ao contrário você se atrasar, todo mundo vai ter chegado antes de você." (Princípio de Tardelli e Esgrande La de Mora)

"Se você passa anos sentindo flatulências alheias em lugares públicos, quando você deixar escapar uma pequena e inocente, ela soará como um toque de corneta a pleno pulmão." (Axioma da ventilação de Blokea Elpedo)

"O mundo é feito pelo esforço dos inteligentes, mas são os imbecis que o desfrutam." (Corolário de Nuinkana Kurta)

1.3.06

Poesia

Bloqueio meu inconsciente
insuficiente
para ver-te, num vulto,
repente,
de um jeito, talvez,
indecente,
tão inconse-quente,
num ponto obscuro,
inocente,
estrela cadente,
que revela e sente,
e mostra-se sempre,
presente,
sorriso
sem dente,
de lógica
ausente.
Resumo:
demente.

FPS, 28/02/2006, 22:37