14.12.12

Prosa, nostálgica: A "casa do Sapô"


A "casa do Sapô"

Se eu fosse resumir minha infância em poucas imagens, diria que ela iniciou-se e prosseguiu em uma foto: a de uma casa, tal e qual tantas outras parecidas, da periferia de São Paulo, mais especificamente no bairro do Sapopemba, que só é lembrado pelos políticos por ser a maior concentração de petistas da capital. E que, a bem da verdade, nem Sapopemba é: é que a casa em questão é final de um bairro e começo de outro, e as referências nesta grande cidade são sempre difusas, já que nada é realmente perto de lugar nenhum.

Essa casa cresceu com o tempo, com as minhas lembranças. 

Quando cheguei, havia um imenso quintal, ainda de terra, no qual pisos foram colocados depois, a pedido de minha mãe, que, como é comum em Sampa, não costuma ter tanto tempo para limpar quintais e fazer jardins. Aliás, todo mundo sabe que as enchentes seriam resolvidas se a água escoasse, mas vá convencer sua mãe a ter toda a trabalheira do mundo e encarar sujeira e detritos por um pouco de verde a mais nessa selva de pedra que São Paulo é ...

Como toda casa 5 por 25, padrão dos lotes da periferia de São Paulo, ela foi crescendo ao sabor das necessidades, das obras e reformas, os puxadinhos de que falam tanto mal e que na verdade são o sonho de todo mundo de ter uma casa grande e bonita, e família grande também. Um quartinho lá no fundo, uma lavanderia, um escritório lá em cima, uma varanda para os amigos, uma garagem maior ... 

... assim como a casa foi crescendo, também eu crescia, deslocando-me de casa para a escola, e depois para o trabalho, tentando ser um pouco mais humilde, e também mais humano.

Foi esse deslocamento todo - do "Sapô" para o centro, e do centro para o bairro, que me fez entender os contrastes de uma cidade que se acinzenta mais e mais à medida que vai para o centro, e que se humaniza nos bairros, como uma árvore de caule grosso e folhas verdes e finas. 

As poucas linhas de ônibus que serviam o bairro compunham o cenário de um surrealismo constante, já que mesmo pessoas que moram fora da cidade poderiam ir mais rápido de um lugar ao outro do que eu podia na época.

Hoje, transitando de carro, eu vejo melhor os contrastes da vida. Estou protegido, mas não menos atento. 

O mundo mudou, eu mudei, mas não a ponto de esquecer o que sempre fui.

E hoje, quando posso estar em um lugar melhor, me dá uma saudade, imensa saudade dos tempos em que via tudo isso de perto, e em que o mundo era muito diferente.

E, confesso, era muito mais meu.



Fábio Peres
adaptado de texto de 21/03/2003

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